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Foto do escritorYasmim Garcia

2. A educação que transforma

Voltei gente!!


Como eu falei no último post, quando a gente chegou lá no CRIAAD pela primeira vez a gente se deparou com muitos desafios, sendo o primeiro deles a “comunicação”, esse instrumento essencial para qualquer atividade de educação em saúde. Era notório que existia uma distância entre nós e os jovens de lá, e foi exatamente nesse momento que o Eli entrou em ação.


Eli é um verdadeiro EDUCADOR, ele trabalha lá dando aulas de artesanato e desenvolve um trabalho incrível com aqueles jovens através dos trabalhos manuais, do desenvolvimento da criatividade, da construção de sonhos e de futuros melhores. Eli foi a ponte que nos aproximou dos meninos e meninas do CRIAAD, passando para eles confiança a cerca do nosso intuito em estar lá. Já que o Eli já era muito conhecido por eles, ter a participação dele naqueles encontros foi de grande valor!


Eli nos ensinou com sua prática a como conversar com eles, como se importar e tratar com respeito e atenção. Eli marcou as nossas visitas ao CRIAAD e nos deu lentes novas para olhar para aqueles jovens com empatia e nenhum julgamento. Eli não precisou falar muito para nos ensinar, seu exemplo foi o suficiente.


Mas voltando ao primeiro dia lá no CRIAAD, queria contar um pouco pra vocês como foi a brincadeira da “batata quente” que mencionei no outro post. Desde o início a gente buscou colocar em prática a ideia de que estávamos ali para compartilhar saberes, doar e também receber deles. Começamos sentando em roda, ao lado deles. Enquanto falávamos o nosso nome, idade e de onde viemos, dividíamos com eles um pouquinho de nós e de nossa história. Escolhemos nos abrir, para que eles também se sentissem confortáveis para isso. E esse foi um dos momentos mais difíceis, aos poucos alguns foram relatando interesse pela faculdade, enquanto outros nunca nem tinham sequer ouvido falar na UFRJ e do curso de nutrição.


Foi aí que decidimos compartilhar como chegamos na universidade, o que ela era, onde ficava e como eles poderiam também chegar lá. Nessa hora começou o burburinho, muitos começaram a falar, uns falavam o que sonhavam em fazer, outros riam e não levavam a muito a sério aquele assunto.


Lembro-me de uma menina falando beem baixinho: “Eu queria medicina, mas é só pra rico”. Alguns demonstravam interesse, mas não tinham esperança alguma, pensavam que aquilo não era para eles, que era caro demais. Aproveitamos o assunto e entramos no tema “COTAS”, e para minha surpresa, quase ninguém sabia o que significava. Eu realmente pensava que eles soubessem o que era. Sim, eu estava completamente errada. Estava em uma realidade completamente diferente da minha olhando para eles como se fosse comum conversarem sobre acesso à universidade. Cheguei a me expressar mal quando disse a eles: “Aaah, claro que vocês já pensaram em fazer uma faculdade antes né, podem falar!” ONDE EU ESTAVA COM A CABEÇA QUANDO FIZ ESSA PERGUNTA?!!


A minha intenção era deixar eles à vontade pra falar dos sonhos já que muitos ali estavam com vergonha de expor uma ideia que parecia para eles tãao distante. Sentia que pra eles era como se dissessem que sonhavam em ser da realeza, em ter castelos de ouro com cavalos brancos no quintal. Parecia realmente que a graduação estava a quilômetros de distância deles, mas não cheguei a pensar que para alguns ali a universidade nunca tinha sido nem mesmo um sonho distante. Depois percebi que o que é normal ou simples para mim nem sempre será para o outro. Percebi que precisava enxergar a realidade deles sem comparar com a minha. Precisava me colocar no lugar deles e me perguntar “o que eu pensaria se eu estivesse nessa situação?”


Acabei falando, falando e esquecendo de explicar a tal da “batata quente - na verdade foi a “tangerina quente kk ”. Bom, vamos lá..


Nos apresentamos e fizemos essa dinâmica depois de prepararmos uma mesa com alimentos pro café da tarde. - claro, pensando no alimento sempre como pretexto rs - Primeiro cada um tinha que olhar para a mesa e escolher um alimento que o fizesse lembrar de algo da infância ou de alguma outra história que eles viveram. Eles iam escolhendo os alimentos e nós entregávamos plaquinhas com o nome do alimento. Depois disso começava a “batata quente” e com quem parasse a tangerina era a vez da pessoa falar que alimento escolheu e explicar o por quê escolheu esse alimento. E essa foi a melhor parteee!! Aos poucos eles foram contando da vida deles sem nem perceber. Ali começamos a conhecer a realidade deles.


Ao longo da dinâmica ouvimos frases como:


“Escolhi o Nescau porque todos os dias antes de sair de casa e ir para a escola eu costumava tomar leite com nescau.”
“Escolhi chocolate porque quando engravidei eu tinha sempre desejo de comer chocolate.”
“Escolhi o pão porque detesto comer pão quase todo dia aqui”
“Escolhi tangerina porque lembro que sempre ia na feira com a minha avó.”

Sendo bem sincera com vocês, eu escrevo esses relatos com os olhos cheios de lágrimas, lembrando de cada fala e expressão de saudade de casa. Se vocês repararem, o alimento sempre lembrava a casa deles ou insatisfação de não estar mais lá. Não eram mais só alimentos, eram sentimentos, família, história e saudade. Enquanto eles falavam a gente descobria coisas que talvez não nos contariam tão facilmente, das mais simples às mais simples, como dizer que tinham sido criados pela avó ou que já tinham engravidado antes de ir pra lá. Com o decorrer da dinâmica fomos destruindo as barreiras e nos aproximando, construindo um diálogo saudável, descontraído e respeitoso. Conseguimos falar de comida e do que ela pode significar pra nós. Falamos de comida, universidade, renda, família e, principalmente, de FUTURO.


Fomos pro CRIAAD acreditando no poder de transformação da educação, acreditando numa mudança por menor que fosse. Acreditamos que nada era em vão, que cada dinâmica e diálogo poderia gerar um impacto naqueles jovens. E por mais que não pudéssemos mudar muita coisa naquele momento, podíamos refletir com eles sobre as escolhas deles, sejam elas alimentares ou de uma profissão, por exemplo.


Já dizia Paulo Freire: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”

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